Diário de bordo

O mundo em poucas linhas

O Mundo em Poucas Linhas

-Tamara

Escrevo como uma draga come o fundo de um canal. E come um rio, e come um fundo de mar inteiro.
É meu tempo que drago ferozmente, ao tatuar meus dias nos maços de papel.
Escrevo anos há anos, mesmo sem ter vivido tantos assim. E eu já sei: jamais lerei um quinto do que escrevi.
Isso porque ao ler o passado eu não me reconheço. E pois não quero admitir que nele eu me vejo demais.

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Como viver no pior lugar do mundo

Terra incógnita: Como viver no pior lugar do mundo

por Tamara

Anúncio no auto falante, diz o capitão do navio: Vento a mais de 90 nós, passadiço interditado até que o tempo melhore, não saiam em hipótese alguma. Outro aviso vem em seguida, a voz do biólogo da tripulação: Pedimos para que os senhores mantenham a luz da cabine desligada para não atrair os petréis e albatrozes que voam perto da costa. Era tarde já, minhas irmãs e eu estávamos sozinhas na cafeteria montando quebra cabeça. A Europa estava completa, o Oceano Atlântico, o sul da África do Sul.

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Navios são cidades provisórias

Navios são cidades provisórias

por Tamara

Os corredores do navio eram extensões das ruas da cidade. O barco deixava o cais com a dificuldade de uma criança que começa a desmamar. Se da cidade bebeu água limpa, provisões e combustível, agora, feito uma criança grande, partia só e lentamente, sem ter como ser carregado.

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Capuccinos e Condomínios

Capuccinos e Condomínios

 

por Tamara

O certo seria ter levado a chave pra disfarçar o fingimento. Mas com duas batidinhas na quina da dobradiça e uma empurrada torta na maçaneta, a porta trancada se abriu. Olhei em volta, acenei para o guarda da rua e entrei na casa da minha avó pontualmente 15 minutos atrasada.

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Terra incógnita: a construção da cidade industrial na Geórgia do Sul

Terra incógnita: a construção da cidade industrial na Geórgia do Sul

por Tamara

Até hoje é estranha a história desse lugar. Quem o descobriu? Quem ali viveu? De quem foi a ideia estúpida de usar uma cadeia de montanhas pontudas, distante de qualquer coisa e emersa nas mais piores condições climáticas possíveis, para criar grandes cidades industriais?

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Cedo ou tarde, vamos ter que admitir: o pó existe

Cedo ou tarde, vamos ter que admitir: o pó existe

por Tamara

No carro há mil horas. Marininha já me provocava se espalhando pelo banco de trás, a linha de frente da coxa avançando sobre o risco divisório entre o campo do meu banco e campo do banco dela. Eu não levantaria a voz tão cedo. Foi minha ideia fazer a família atravessar a Namíbia de carro. A Laura dormia profundamente com a bochecha esquerda enterrada no vidro e o pé esquerdo na minha perna direita. Aguenta. Mais um pouco e chegaremos a algum lugar com gente.

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O centro histórico de Paraty é o palco de um teatro sem fundo

O centro histórico de Paraty é o palco de um teatro sem fundo

por Tamara

E é nesse teatro que certa parte da cidade ganha pão, pois vende pão (e circo) pra platéia de inglês, francês, paulistano, carioca, e assim por diante. Patrimônio aham, preservadas as fachadas dos prédios do centro e um certo tanto do seu conteúdo. As gentes, essas sim, as gentes que ali moravam já não se sabe que fim têm levado —  diz com nostalgia quem morou na rua do comércio, naquela de janela azul e verde, na corrente, na rua do mercadinho.

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Por que Vitória detesta o Tubarão?

Por que Vitória detesta o Tubarão?

por Tamara

Quanto vale estar numa cidade e poder ver o céu tocando o mar? Quanto vale abrir a janela e deixar entrar em casa o vento do oceano? Quanto vale acordar e respirar ar limpo?

O grito dos remadores me acordou. Era 7 da manhã, e nosso veleiro estava ancorado em frente ao Iate Clube do Espírito Santo.

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Seis desafios de morar em um veleiro

Seis desafios de morar em um veleiro

por Tamara

Cada vez mais me interesso pelas pessoas que moram no mar e pela forma como vivem. Deixar o trânsito da cidade, o ritmo urbano, a poluição e o estresse e viver entre o azul do céu e do oceano parece uma ideia sedutora para qualquer pessoa insatisfeita em morar entre asfalto e arranha-céus. A cada dia eu encontro mais brasileiros que venderam casa, empresa, se demitiram e compraram um veleiro. Também já conheci quem decidiu construir o próprio. Algumas pessoas vão mais preparadas, outras menos. Mas, muitas vezes, descobrem depois que habitar uma casa flutuante vai muito além de velejar.

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O mundo cabe em um apartamento

O mundo cabe em um apartamento

por Tamara

Pra ouvir o que minha tia dizia precisei chegar mais perto. Quando tomei café com o Papa João Paulo II, ah sim, meu amigo Alceu, no casamento não sei de quem, a nossa Revolução com outro nome que não era esse dos jornais de hoje… As fotos na mesa comprovavam os encontros. Nomes compostos, datas, lugares precisos. Tudo minha tia contava com detalhes de 90 anos nas costas e mil nos joelhos cansados, que tanto percorreram carpetes-cor-de-vinho. Mas pera tia, eu li no livro tal que…, Bobagem! Eu estava lá e não foi nada disso! Pare de acreditar nos historiadores que não leem além do feijão com arroz.

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