Nota Sobre o Amor
- Tamara
Foi sequestrado em Paraty. Corria ávido pela praia do engenho e, ao nos ver, veio dar em cima. Aquela coisa de pedir carinho, se esfregar na perna e correr atrás do galho que a gente atira. Pelo estado, não tinha dono – enfiamos na caçamba da picape e pegamos estrada.
Paramos na cachoeira da estrada de Cunha. Foi lá o batizado e o banho de água doce pra tirar o excesso de lama com areia dos olhos. Água sagrada de Paraty, padrinho, madrinha e nome: Rufus.
Agora era oficial, e foram oficiais 4 horas pra chegar em casa. Ele escorrendo pela caçamba – quente e fechada, ainda por cima – a gente escorrendo pelo banco de trás, na estrada de argila que orávamos pra não desbarrancar. Checamos de 50 em 50 quilômetros se estava tudo bem. Estava, chegamos.
O processo civilizatório foi difícil, mais pra nós que pra ele. Rufus não entendeu que dentro da casa era lugar de gente, e que, portanto, não é pra marcar território. Não aprendeu a passear junto a mim – causando sérios constragimentos quando eu marquei encontros no parque; exímio artista, talhou com dentes os pés de todas as mesas e cadeiras da sala; ávido leitor, engoliu jornais antes mesmo do amanhecer. Fomos maus jesuítas e não catequizamos nem convertemos: ele ainda corre atrás de passarinhos – e come.
As visitas, que desconhecem seu lado selvagem, ficam babando. Depois das vacinas, banho, tosa e microcirurgia pra tirar os bernes na cabeça, confesso que ficou bem bonitão. Acho que ele sabe o ciúmes que causa na gente enquanto abraça quem só dá carinho e não tem que ser tirano.
Ele não tem utilidade. Não faz truque, não passeia, não acha nem esconde coisas, e tem dificuldade pra pegar graveto porque não ouve, cheira nem vê direito.
Certa vez ouvi que os relacionamentos de hoje duram pouco porque a gente espera que o outro nos faça feliz, e não espera ficar bem fazendo feliz o outro.
Acho que meu casamento com o Rufus perdura por isso: ele só serve pra amar.
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